14.6.08

Trópico de Câncer, Henry Miller

-Leia resenha de "Sexus", de H. Miller
-Resenhas de outros grandes livros


Como cenário a Paris entre guerras, como definição as palavras do próprio autor: "Isto não é um livro. É libelo, é calúnia, difamação...”, como prefácio uma declaração de Ralph Waldo Emerson simplificando: “Estes romances cederão lugar, pouco a pouco, a diários ou autobiografias...” E assim a vida se transforma em arte nas letras do pai da geração beat, o maldito, “Henry Miller”. Nascido no Brooklyn em 1891, Henry Valentine Miller representa um ponto de virada na literatura mundial, uma influência para autores como Allen Ginsberg, a geração hippie, beatnick e sua obsessão por liberdade sexual, viagens e boemia. Henry influenciou esses poetas “marginais” até na forma autobiográfica de escrever já que em seus livros ele é o personagem principal, mas suas histórias não são totalmente reais, são uma mistura de ficção e realidade num tipo de Bukowski mais elaborado e surrealista.

Suspiros de surrealismo, filosofia nietzschiana, influências de escritores “eróticos” como Céline e DH Lawrence (que ele rejeitava até ler “D.H. Lawrence: an unprofissional study", livro de sua amante, Anaïs Nin), tudo isso borbulha nas páginas de Trópico de Câncer, mas há algo a mais ali. Não é pornográfico como seus censores acusaram ao conseguirem manter sua obra inédita por 30 anos nos países de língua inglesa até que o poeta beat, Lawrence Ferlinghetti, a publicasse: é humano, demasiadamente humano. É um homem em busca de si mesmo, uma descoberta a cada página, uma canção de libertação...

Estamos nos subúrbios e cabarés da Paris dos anos 30, a guerra é uma sombra que ronda incessantemente. Intelectuais, artistas, pintores, todos se reúnem para beber, transar e discutir, Henry está entre eles, mas não tem um tostão no bolso, está duro e vive de bicos (a prisão dos escritores: o jornalismo) e ajuda dos amigos. O anti-herói resmunga : “Sou um artista assalariado, obrigado a interpretar uma farsa intelectual sobre seus estúpidos narizes?”. Os capítulos vão revezando-se um após o outro sem ordem cronológica exata, carregados de fluxo de consciência e alternando reflexões surrealistas com relatos crus do cotidiano de Miller. O Clima é retratado fielmente no clássico erótico “Henry e June” de Philip Kaufman (diretor também de “Contos Secretos do Marquês de Sade” ), focado no triângulo amoroso entre Henry, sua esposa June e a escritora Anais Nïn, autora dos diários inspiradores da película (“Henry, June & Eu”). A busca é por grana e sexo, grana e sexo até não representarem mais nada, grana e sexo como formas de sobrevivência, sobrevivência como única alternativa, única alternativa: a vida. E essa Miller vive com tesão!

Nos momentos “filosóficos” Miller remete a Nietzsche, filósofo que leu, saudou e parafraseou em alguns trechos de sua obra. Toma como profissão de fé a filosofia, que busca desmascarar o mundo dos ídolos, o Deus que não sabe dançar, que busca trazer ao homem os prazeres terrenos. Nietzsche previu mais de um século atrás o declínio da civilização ocidental, diz. O Henry Miller de Trópico de Câncer/Henry e June (no qual há uma cena em que ele discute o filósofo alemão) tem a mesma missão: libertar o ser humano de suas amarras, despertá-lo para a vida nessa existência que é única, como ele mesmo diz: “São homens e mulheres, pergunto a mim mesmo, ou são sombras, sombras de fantoches pendurados por invisíveis cordéis? Eles se movem aparentemente em liberdade, mas não tem para onde ir. Só em um reino são livres e lá talvez possam vaguear à vontade, mas ainda não aprenderam a levantar vôo”. E essa libertação inclui também a religião, a qual Miller despreza. Em um dos trechos ele e um amigo, ambos bêbados, vão assistir a uma missa, que ele descreve como se fosse um alienígena que nunca tivesse visto uma cerimônia religiosa, descreve-a de uma forma claustrofóbica, que o sufoca, pouco a pouco a até que ele fuja correndo da igreja.

Miller em sua busca acaba se desprendendo da necessidade de ser humano, declarando-se um “inumano”, descendente de uma árvore genealógica de artistas e pensadores que como ele buscavam viver desesperadamente no limite, buscando a paixão total, o fogo da criação, já que a partir disso, tudo é humano e dispensável. (“Enquanto estiver faltando aquela centelha de paixão, não há significação humana no ato”.) Como um modernista brasileiro, como “Oswald de Andrade” na peça “A morta” , ele clama para que se incendeiem as bibliotecas, museus e biografias. Que os mortos devorem os mortos e os vivos dancem!


5 comentários:

Ana Alice disse...

show da Milhouse na Outs amanhã às 18h!!! U-hu!!!!
PS - isso NÃO é um spam.

Anonymous disse...

hahahah

Thais Aux disse...

Ei, Fred, suas resenhas são muito boas, já pensou em escrever, assim, profissionalmente? Pra alguma revista, jornal, sei lá! São boas mesmo!

Bjssssssssssssssss

Frico disse...

Oi, Thais! Obrigado! Eu ainda fico com um pouco de vergonha(sei que é meio ridículo) de me oferecer pra fazer resenhas, hehehehe beijos

Raquel disse...

Estou lendo Trópico de Câncer; muito bem comentado. Incrível como ele vai até as entranhas da sociedade, até as visceras humanas...

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