27.6.08

Melhores discos nacionais dos anos 90 - Top 5

Os cinco discos brasileiros que mais me marcaram quando eu tinha entre 12 e 15 anos(96-99):

1) Afrociberdelia - Chico Science e Nação Zumbi.
Quando eu tinha 12 anos Chico Science ainda estava vivo e começava a ficar conhecido. Ouvi "Maracatu Atômico" até riscar o disco e criei um fanzine com o nome do disco em 1997

2)Roots - Sepultura
Comecei a gostar de som pesado por causa de Roots. Ele e "Afrociberdelia" definiram os limites dos meus horizontes musicais: não ter limites, já que os caras misturavam trash metal com Carlinhos Brown e cantos indígenas.

3)Guentando a Ôia - mundo livre s/a
Fazendo uma análise sem muita precisão técnica, esse é o melhor disco do Fred 04 pra mim. Foi o primeiro que eu tive e o que mais ouvi até hoje. Conheço de cor e salteado as altenâncias entre cavaquinho e guitarras envenenadas e decorei todas as letras engajadas/psicodélicas.

4)Feijoada Acidente? - Ratos de Porão
Pra mim é o melhor disco de punk rock nacional da história. Mudou minha vida. Depois desse disco rasguei a calça, espetei o cabelo, aprendi a tocar 3 acordes no baixo e virei punk

5)Usuário - Planet Hemp & Sobrevivendo no Inferno - Racionais Mc's
Nunca consigo fazer Top 5 com cinco, sempre tenho que enfiar um bônus no meio. "Usuário" do Planet Hemp era o som de "maloqueiro" muito melhor que Charlie Brown Jr de hoje. "Mantenha o respeito" e "Legalize Já" eram hits fortes que tocavam em todos os lugares. E as linhas de baixo eram simples e boas. Excelentes para um iniciante como eu. "Sobrevivendo no Inferno" foi outro tapa na cara. Lembro de ficar ouvindo quietinho, só prestando atenção nas letras, como se fosse alguém me contando a história. A partir daí virei fã de rap.

26.6.08

Milhouse - Mais show



Parece que vai rolar showzinho de novo no dia 11/07! ÇuÇeÇo com três cedilhas
Vou até postar mais umas fotos do nosso último show lá na Outs
UHUUUUUUUUUUUUUUUUUUUU!



E uma letrinha do Milhouse pra todo mundo ser feliz:

Virei Cafajeste por causa dela

Não sou mais aquele cara bonzinho
Que te trazia bolachas com leite ninho
Não sou mais aquele cara que faz cafuné, tira seus cravos e beija seu pé
Levo ao cinema, pago café.

Sou apenas um cara comum
Com dúvidas e complexos
E desesperado pra te amar

Vou me vingar em toda "raça"
Vou transformar a flor em cadela
Virei cafajeste por causa dela(2x)

Não sou aquele cara perfeito que você sempre sonhou
Não sou o príncipe encantado que você sempre desejou

Sou apenas um cara comum(...)

23.6.08

Outs - Show do Milhouse dia 21/06


Foi sensacional. Além do hype(saímos em duas notinhas na Folha de S. Paulo e ficamos na home do MySpace) o show no Outs foi muuuuuuuuuuito legal, a galera compareceu e o som estava excelente.

Embaixo um vídeo(feito pelo Gustavo Cabeça) do show com o áudio muito ruim, mas da pra ver uns pulos legais da banda:

21.6.08

Mais podres do que nunca - Garotos Podres



por Fred Dio Giacomo
-Leia entrevista exclusiva com os Garotos Podres

Na capa um menino saudável brinca com uma mamadeira, na contra um pequeno africano desnutrido chora esperando a morte chegar. Mais Podres do que Nunca, produzido pelo Redson (Cólera), primeiro disco de Oi! do Brasil, é um clássico do rock brazuca. Todos citam "Dois" do Legião Urbana, "Nós Vamos Invadir Sua Praia" do Ultraje à Rigor ou, "para quem curte um som mais agressivo", "Cabeça Dinossauro" dos Titãs, mas se esquecem dessa pérola tosca que vendeu mais de 50.000 cópias independentes, ganhou as rádios rock com "Johnny" e "Vou fazer cocô" e ainda cravou dois clássicos no punk nacional: "Papai Noel, Velho Batuta" e "Anarquia Oi!".

Aqui não há nada que lembre o punk cheiroso de CPM22 e Blink 182, a produção é suja, os instrumentos amadores, a gravação era pra ser uma demo, mas acabou virando disco independente "devido ao resultado surpreendente" pra época. Três faixas gravadas nunca foram lançadas devido à péssima qualidade, as 11 que ficaram trazem a marca dos Garotos Podres; punk simples, mais lento e candenciado que o feito por seus contemporâneos (Ratos de Porão, Olho Seco, Cólera...) e letras críticas/ sarcásticas carregadas de humor negro. Afinal, quem nos dias de hoje teria a manha de fazer uma letra como a de "Papai-Noel": "Papai- Noel, filho da Puta/ Rejeita os miseráveis/ Eu quero mata-lo/ Aquele porco capitalista/ Presenteia os ricos/ Cospe nos Pobres." Ou "Vou fazer cocô": "Enquanto você, de paletó e gravata/ Aparece na tv/ E diz coisas que eu não consigo entender/ O que que eu faço?/ Vou fazer cocô." Não, não, muito sujo, politicamente incorreto, prejudicaria as vendas. Rock sem esse espírito de contestação tem o mesmo valor que axé. Mesmo porque, tanto faz ter na rádio É o Tchan e Art Popular ou LS Jack e B5. O lixo é o mesmo, aí talvez até seja melhor o Tchan porque é lixo 100% nacional, os caras das "bandas de pop/rock" de hoje em dia ainda tem a moral de copiar lixo dos gringos. Cada país tem a trilha sonora que merece...



-Leia resenha do disco "Pela Paz em Todo Mundo", do Cólera

Bom, voltando aos Garotos Podres, seu disco de estréia gravado em 1985 e relançado com a música "Meu Bem" (uma daquelas 3 que tinham ficado "péssimas") é o retrato dos anos 80, conturbados, marcados pelo fim da ditadura (que censurou duas faixas do disco), pelas greves de metalúrgicos (ali perto dos Garotos que são do ABC) e pela hegemonia do Brock. Uma história retratada nas 11 faixas desse disco. Uma curiosidade é a música Füher ("Os imundos querem dominar o mundo, com o poder de suas armas/ Sob suas estrela maldita/ Fanáticos religiosos, assassinos malditos/ Eu quero mata-los"). A letra acabou gerando acusações aos Garotos Podres (socialistas) de nazismo. Essa acusação ainda ecoa nos meios anarcopunks. Em uma entrevista concedida a mim por e-mail, Mau explica o assunto. "A intenção da música é colocar no mesmo saco os nazistas e a extrema direita israelense que defende a matança indiscriminada e a deportação em massa dos palestinos". E a história segue dezoito anos depois do lançamento do disco, os palestinos continuam sendo massacrados pela extrema direita israelense e os Garotos Podres ainda são uma das poucas bandas interessantes do rock nacional...

ÁLBUM: Mais podres do que nunca.
ARTISTA: Garotos Podres
ANO: 1985
GRAVADORA: Independente(Rocker)


-Mais punk rock aqui!

14.6.08

Trópico de Câncer, Henry Miller

-Leia resenha de "Sexus", de H. Miller
-Resenhas de outros grandes livros


Como cenário a Paris entre guerras, como definição as palavras do próprio autor: "Isto não é um livro. É libelo, é calúnia, difamação...”, como prefácio uma declaração de Ralph Waldo Emerson simplificando: “Estes romances cederão lugar, pouco a pouco, a diários ou autobiografias...” E assim a vida se transforma em arte nas letras do pai da geração beat, o maldito, “Henry Miller”. Nascido no Brooklyn em 1891, Henry Valentine Miller representa um ponto de virada na literatura mundial, uma influência para autores como Allen Ginsberg, a geração hippie, beatnick e sua obsessão por liberdade sexual, viagens e boemia. Henry influenciou esses poetas “marginais” até na forma autobiográfica de escrever já que em seus livros ele é o personagem principal, mas suas histórias não são totalmente reais, são uma mistura de ficção e realidade num tipo de Bukowski mais elaborado e surrealista.

Suspiros de surrealismo, filosofia nietzschiana, influências de escritores “eróticos” como Céline e DH Lawrence (que ele rejeitava até ler “D.H. Lawrence: an unprofissional study", livro de sua amante, Anaïs Nin), tudo isso borbulha nas páginas de Trópico de Câncer, mas há algo a mais ali. Não é pornográfico como seus censores acusaram ao conseguirem manter sua obra inédita por 30 anos nos países de língua inglesa até que o poeta beat, Lawrence Ferlinghetti, a publicasse: é humano, demasiadamente humano. É um homem em busca de si mesmo, uma descoberta a cada página, uma canção de libertação...

Estamos nos subúrbios e cabarés da Paris dos anos 30, a guerra é uma sombra que ronda incessantemente. Intelectuais, artistas, pintores, todos se reúnem para beber, transar e discutir, Henry está entre eles, mas não tem um tostão no bolso, está duro e vive de bicos (a prisão dos escritores: o jornalismo) e ajuda dos amigos. O anti-herói resmunga : “Sou um artista assalariado, obrigado a interpretar uma farsa intelectual sobre seus estúpidos narizes?”. Os capítulos vão revezando-se um após o outro sem ordem cronológica exata, carregados de fluxo de consciência e alternando reflexões surrealistas com relatos crus do cotidiano de Miller. O Clima é retratado fielmente no clássico erótico “Henry e June” de Philip Kaufman (diretor também de “Contos Secretos do Marquês de Sade” ), focado no triângulo amoroso entre Henry, sua esposa June e a escritora Anais Nïn, autora dos diários inspiradores da película (“Henry, June & Eu”). A busca é por grana e sexo, grana e sexo até não representarem mais nada, grana e sexo como formas de sobrevivência, sobrevivência como única alternativa, única alternativa: a vida. E essa Miller vive com tesão!

Nos momentos “filosóficos” Miller remete a Nietzsche, filósofo que leu, saudou e parafraseou em alguns trechos de sua obra. Toma como profissão de fé a filosofia, que busca desmascarar o mundo dos ídolos, o Deus que não sabe dançar, que busca trazer ao homem os prazeres terrenos. Nietzsche previu mais de um século atrás o declínio da civilização ocidental, diz. O Henry Miller de Trópico de Câncer/Henry e June (no qual há uma cena em que ele discute o filósofo alemão) tem a mesma missão: libertar o ser humano de suas amarras, despertá-lo para a vida nessa existência que é única, como ele mesmo diz: “São homens e mulheres, pergunto a mim mesmo, ou são sombras, sombras de fantoches pendurados por invisíveis cordéis? Eles se movem aparentemente em liberdade, mas não tem para onde ir. Só em um reino são livres e lá talvez possam vaguear à vontade, mas ainda não aprenderam a levantar vôo”. E essa libertação inclui também a religião, a qual Miller despreza. Em um dos trechos ele e um amigo, ambos bêbados, vão assistir a uma missa, que ele descreve como se fosse um alienígena que nunca tivesse visto uma cerimônia religiosa, descreve-a de uma forma claustrofóbica, que o sufoca, pouco a pouco a até que ele fuja correndo da igreja.

Miller em sua busca acaba se desprendendo da necessidade de ser humano, declarando-se um “inumano”, descendente de uma árvore genealógica de artistas e pensadores que como ele buscavam viver desesperadamente no limite, buscando a paixão total, o fogo da criação, já que a partir disso, tudo é humano e dispensável. (“Enquanto estiver faltando aquela centelha de paixão, não há significação humana no ato”.) Como um modernista brasileiro, como “Oswald de Andrade” na peça “A morta” , ele clama para que se incendeiem as bibliotecas, museus e biografias. Que os mortos devorem os mortos e os vivos dancem!


9.6.08

Carlão


Ilustração "Vazio", por Sabrina Barrios


Eu sempre penso que, quando eu morrer, não gostaria que as pessoas só ficassem chorando, mas lembrassem os bons momentos, as piadas, pensassem coisas boas de mim e dos nossos momentos juntos.

Eu sempre dizia que quase ninguém próximo de mim tinha morrido. Até uns meses atrás eu tinha 3 avós vivos, toda família, amigos, exs, conhecidos...

Hoje Marcão me falou que o Carlão morreu. Assim do nada. O Carlão não era meu amigão, ele era um colega de Penápolis, sempre envolvido com a cena rock de lá. Sempre procurando fazer alguma coisa para agitar a cidade. Era um cara por quem eu tinha uma simpatia grande, maior que minha intimidade com ele. Foi o cara que ajudou a organizar o primeiro show da minha banda, Milhouse, lá em Penápolis. As imagens que eu tenho dele são sempre rindo, tomando uma breja, agilizando alguma coisa. No tempo em que ficou aqui, ele fez um pouco de política, um pouco de música, de bagunça, um pouco de várias coisas legais e importantes. A última vez que eu o encontrei foi no Carnaval e ele tinha um vídeo engraçado na câmera fotográfica.

É isso. Ele foi um cara que viveu a vida. Fiquei triste quando soube da sua morte e ao mesmo tempo com uma puta vontade de fazer coisas legais e viver um pouco mais a vida. Criar, agilizar, beber. Coisas que realmente importam. Mais do que nove horas diárias movendo engrenagens para alguém lá em cima ganhar dinheiro. Acho que o Carlão ia ficar feliz com isso. De inspirar as pessoas a serem um pouco como ele.

E mesmo eu, agnóstico por falta de opção, queria acreditar que existe um céu pra onde essas pessoas legais possam ir. Paro por aqui, que já estou com um nó na garganta. Foda.

8.6.08

100 canções essenciais da Música Popular Brasileira

A Bravo! lançou um especial "100 canções essenciais" com textículos e textões do amigo Gustavo Heidrich, listando as melhores músicas da MPB. Como todo lista vai gerar polêmicas: a música de escolhida de Chico Science foi a ok "Rios, Pontes e Overdrives"(uma das justificativas pra sua escolha foi ter 56 vezes a palavra mangue repetida) que não é nem seu hit, nem sua melhor letra, muito menos a melhr melodia. E tem 10 músicas do Chico Buarque(10% da lista!). Mas no geral tem vários clássics mesmos e os textos tem informações bacanas. As dez primeiras seguem abaixo:

1 - “Carinhoso”, de Pixinguinha e João de Barro
2 - “Águas de março”, de Tom Jobim
3 - “João Valentão”, de Dorival Caymmi
4 - “Chega de saudade”, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes
5 - “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso
6 - “Tropicália”, de Caetano Veloso
7 - “Último desejo”, de Noel Rosa
8 - “Asa branca”, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira
9 - “Construção”, de Chico Buarque
10 - “Detalhes”, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos

O Germinal, Émile Zóla

-Leia alguns contos kaóticos


por Fred Di Giacomo, o cara que escreve tudo aqui.

Sufocado pelo pó negro da hulha, do carvão, o grito dos mineiros explorados ecoa pelas profundezas das galerias construídas com o sangue do povo para fazer a máquina da Revolução Industrial funcionar. Foi esse grito que Émile Zola traduziu em 1881 na sua obra prima “Germinal”, uma romance realista sobre as lutas e dificuldades de uma comunidade de mineiros no interior da França.

Jornalista, assim como Balzac, um “gonzo do século XIX”, Zola defendia que “o romancista assumisse o papel de experimentador que pesquisa os caracteres hereditários do homem e as transformações que sofre em conseqüência do ambiente social em que está inserido”. A esse tipo de obra o francês chamou “romance experimental”. E é com uma riqueza de detalhes, que nos fazem crer que o livro foi escrito por um carvoeiro francês, que o autor descreve o dia-a-dia dos operários imundos das minas de Montsu usando uma linguagem realista/naturalista que nos faz lembrar “O Cortiço”, de Aluísio Azevedo, em sua descrição de miséria, comparando constantemente os homens e seus desejos aos animais, ressaltando a influência do meio na formação dos seres humanos, dando destaque aos instintos sexuais que levam os homens a se nivelar à mais selvagem das bestas. Afinal, no fundo somos todos animais, lutando contra a morte, fornicando, defecando e comendo numa luta diária pela sobrevivência.

-Gostou de Germinal? Então você vai curtir a Revolução dos Bichos. Leia aqui!

O “Germinal” é sem dúvida um livro básico para aquele que quer entender o crepúsculo do marxismo e as revoltas populares do século XIX. Como um jornalista diante de uma grande reportagem, Émile Zola reúne os fatos que marcaram sua época como a criação da Internacional Socialista, as teorias de Karl Marx, de Charles Darwin, os atentados anarquistas, todas as ideologias revolucionárias que incendiaram um século fascinante, uma era conhecida outrora como a primavera dos povos! Lá está cada personagem típico, representante de correntes e classes do período. Há o terrorista anarquista na pele do russo Suavarin, o socialista moderado (ou social-democrata) vivido pelo taberneiro Rasseneur e o líder operário comunista, o protagonista Etienne. Chamá-lo de herói no sentido romântico da palavra não caberia aqui. No realismo do “Germinal”, o “mocinho” Etienne é cheio de dúvidas, deixa-se dominar pelo orgulho em certas horas (quando julga-se superior aos outros mineiros) e passa a maior parte da história frustrado amorosamente. Aqui o herói, o líder, é desacreditado, apedrejado, olhado com desconfiança, traído como o foram milhares de vezes os líderes revolucionários. Etienne guarda algumas leves semelhanças com Raskolnikof de “Crime e Castigo” em suas reflexões ardentes, seus delírios, sua indecisão diante de necessidade de matar, sua vaidade que no romance russo vai ao extremo de o protagonista dividir a humanidade em seres “extraordinários” e “ordinários”. Ambos são levados pela miséria a atos desesperados.

A história de “Germinal” cheia de nuances e personagens seria impossível de ser narrada aqui. Resumidamente ela destaca o trajeto de um desempregado vagando pelas estradas da França, em uma período de depressão econômica (como a dupla de andarilhos em “Ratos e homens” de Steinbeck), que chega a uma região carbonífera e acaba empregando-se numa das minas para fugir da fome. Ao mesmo tempo que trava contato com as idéias socialistas o “ex-andarilho”, Etienne se apaixona por Catherine, filha de uma família que a gerações trabalha e morre na mina Voeux. A própria mina acaba tornando-se personagem principal na história. Sempre alimentando-se dos trabalhadores ela tem sua “morte” narrada com tons dramáticos. Um dos pontos principais do livro é a greve liderada por Etienne.

Apesar da clara tendência socialista do autor, da defesa dos proletariados e do final esperançoso, não existe maniqueísmo nas palavras de Zola. Até a burguesia tem seus lances de heroísmo (como no caso do engenheiro Negrél) e bondade. A massa, por sua vez, também é capaz das mas brutais injustiças e muitas vezes questiona-se se os trabalhadores apenas querem tornar-se novos burgueses.

A linguagem simples de Zola reconstitui sem firulas um retrato exato do cotidiano da época, mais forte talvez que as descrições frias dos historiadores. O “Germinal” é uma ferramenta fundamental para se entender a luta dos trabalhadores, o ambiente propício para a expansão do socialismo e os acontecimentos espremidos entre a “Revolução Francesa”, a “Revolução Industrial” e a “Primeira Guerra Mundial”. Lê-lo é embarcar no drama dos mineiros com os pulmões negros de hulha, das mães que assistem as filhas definharem de fome, dos homens que servem de alimento para o capital, da lenta metamorfose dos camponeses de outrora em máquinas com almas.

Veja também:
-Mais resenhas de livros
-Conheça a "Odisséia", de Homero


5.6.08

Preto no Branco

-Leia mais contos aqui



Mesmo o cara que pode conquistar todas as mulheres do mundo é infeliz se não tem a mulher que ama. Eu estava tão triste que parecia que tinha uma gilete rasgando o coração numa bacia de álcool. Tristeza dói. Auto-piedade ameniza um pouco. Tava tudo escuro no quarto, não conseguia dormir. Tinha deitado às onze horas, revirava-me na cama, rolava de um lado pro outro. Onze e quinze. Pensei de novo na Clara, conversava com ela mentalmente, só assim a menina me escutava. Onze e meia, acendi a luz, li um conto do Rubem Fonseca, história maluca, não dava sono, apaguei a luz, tinha entrevista de emprego amanhã, repassei o que podia e o que não podia dizer. Quinze pra meia noite, vou até a cozinha, o filtro ta quebrado, encho o copo d água da torneira, tem gosto de lodo e consistência de barro. Tem gosto de derrota, sou um perdedor, pelo menos nisso sou bom. Na geladeira um punhado de contas, um punhado de fracassos, números de pizzaria. De que me adianta? Não como uma pizza há seis meses, preciso de um amigo com uma condição financeira melhor que a minha pra pagar.

Olho o caderninho de endereços buscando alguém que esteja com a corda mais frouxa no pescoço do que eu. Os sonhadores de hoje são os fracassados do amanhã, ta todo mundo rolando na sarjeta. Edgar queria ser cineasta, agora trabalha de balconista numa vídeo-locadora. Silas, o mais inteligente da classe, fazia parte do movimento estudantil, terminou com a namorada, transou com sua melhor e mais gorda amiga e engravidou a mulher. Uma noite, uma maldita camisinha que estourou, e o cara tem que sustentar uma família. Francisco era poeta, bebeu tanto que ficou louco, outro dia encontrei caído na rua, tinha cagado na calça, fingi que não conhecia, tive nojo. Não devia fazer isso, nós éramos amigos naqueles tempos. Quando as coisas estão boas todo mundo é muito amigo, eu era uma mina de sonhos e hoje em dia animo festas como palhaço. Se você é mais azarado que eu, por favor me escreva uma carta.

Mais um mês sem pagar telefone e cortam a linha de vez, agora só recebo ligações. A luz ta pra estourar. Volto pra cama, não dá pra dormir com tanta coisa pra resolver. Rolo pra direita, não consigo achar a posição certa, não consigo achar conforto. Penso na Clara, penso em sexo, dois meses sem trepar, isso não acontecia quando tinha vinte anos. Puta merda, vai ter que ser assim de novo, meia noite e meia. Vou a banheiro, me masturbo. Dá uma aliviada, quase como fumar um baseado. Volto pra cama e durmo.

_ Clara, eu descobri o mal de todo nosso problema.

“Sim, meu querido, ela parece dizer”.

_Agora nós não precisamos mais discutir, você vai ser eternamente minha.

“Eu sempre fui sua, amor”.

_Olha aqui, arranquei sua língua com a faca!

“Ela tem o sorriso mais lindo do universo, mesmo sem a língua”...

Acordo, atrasado de novo, tenho entrevista de emprego e depois festa de crianças para animar. Vendo felicidade, toda minha alegria artificial é sugada pelas crianças imbecis. À noite fico só, com a maquiagem no rosto, o palhaço mais triste do planeta.

Chego em casa, só o osso, completamente infeliz, vazio. Sou um aborto, uma merda cagada por uma dona de casa em uma maternidade pública. Sempre tive medo da morte, mas agora já não me divirto com a vida. Cortaram a luz, o telefone ainda toca. Desisto de atender, olho pro espelho, a maquiagem está borrada por lágrimas. Sou um palhaço triste, ta ai meu epitáfio.

***

Um dia iluminado para uma menina dourada: Clara, um metro e setenta, mas queria ser mais alta. Cabelos loiros, mas queria ser ruiva. Olhos verdes, que podiam ser azuis. Clara não estava satisfeita com a vida, mas não queria morrer. Tinha dúvidas sobre tudo:

1975, nasce Clara Alva. Demora para sair do útero materno, hesita. Dois dias de atraso, a mãe morre no parto. Clara suspeita: “Terá sido culpa minha?”

1980, aos cinco anos o vovô pergunta a Clara: “Meu docinho o que quer de aniversário, pede o que quiser que o vovô dá”. Clara pensa, pensa, pensa, mas fica em dúvida. Uma viagem para Disney é melhor que uma casa na árvore? Seu Francisco Alva morre sem saber a resposta.

1990, aula de religião. “Então Deus criou o mundo, certo”? A menina balança, não tem nada contra Deus, nem a favor, mal o conhece. Quando ora, nunca sabe para quem pedir proteção, à alma da mãe ou ao pai que ficou sozinho. Desiste e vai dormir depois do Pai Nosso. “Então Deus criou o mundo, certo”?

_Não, sei.

_Como não? Você não acredita em Deus?

_Não, sei.

_Não sabe, como assim não sabe? Você quer ir para o inferno?

_Não sei...

_Menina, você está ficando louca? Não aceitamos ateus nessa escola.

Expulsa do colégio de freiras, o pai fica preocupado. “Por que você fez isso, minha filha?” Mas não houve resposta. Clara é uma menina muito bonita, mas quase não têm namorados, sempre titubeia para escolher com quem ficar.

1993, ano de prestar vestibular. Tem dúvidas entre Ciências Sociais e Comunicação Social, não sabe se deve tentar ganhar dinheiro ou se deve seguir seus sonhos. Não sabe se deve comer bife ou se tornar vegetariana. O pai pede que preste fonoaudiologia. Indecisa, acaba aceitando.

1997, forma-se sem brilho. Não sabe se é realmente o que quer da vida. Fica um ano desempregada até que o pai lhe arruma um emprego trabalhando com surdo-mudos.

1999, um ano trágico para a menina. Seu noivo Juan Silva, suicida-se. Suspeita-se que o rapaz não agüentasse mais a indecisão de Clara sobre o casamento, afinal, desmarcaram a data quinze vezes. Desesperado Juan foi a sua casa, olhou em seus olhos verdes e falou:

_Clara você ama outro homem?

_Não sei, Juan.

_Clara, você já amou alguém?

_Não sei, Juan, gosto de você, mas não sei se o suficiente...

Atirou-se do décimo andar. Na dúvida, se estava triste ou não, preferiu evitar as lágrimas no velório.

2001, mais um ano difícil. Dimas Alva, pai dedicado, está com câncer. “Deve ser muito triste perder o pai, para uma garota que nunca teve mãe” “Talvez”, ela pensa. Em seu leito de morte o patriarca sussurra: “Filhinha, dediquei toda minha vida a tentar solucionar sua eterna dúvida, não sei se falhei ou não, mas te amo”. Ela ficou quieta. O pai morreu sem paz. “Funerária Bom Pastor” ou “Descanso Eterno”? Nova dúvida. O corpo começava a feder, a família tem que tomar uma atitude drástica. Enterram Dimas como indigente.

2003, está na cama com Juliano. Sua pele branca contrasta com o negro da pele do palhaço triste. Não sabe se o sexo é bom ou ruim, não sabe se já teve um orgasmo na vida ou não, acha que gosta do rapaz, mas não pode ter certeza. Pensa em fundar uma ONG: para ajudar cachorros sem dono ou anjos sem asas.

2004, prefere terminar com Juliano porque não sabe se quer namorar ou não. O rapaz entra em depressão, não sabe se sente compaixão ou arrependimento. Passam-se trinta anos. Não sabe se a vida é boa ou ruim.

2005, tenta ligar para Juliano. Pode ser que queria reatar, ou talvez seja apenas um pretexto para uma boa conversa entre amigos. Ninguém atende, tem vontade de ligar de novo, mas o rapaz pode entender tudo errado.

2034, Uma mulher vestida de negro bate em sua porta. Talvez a conheça, pergunta se: “Devo chamá-la para entrar ou não.” A estranha acaba sentando-se na sala. Sabe seu nome e fatos relevantes de toda sua vida. “Mas como? Nunca a vi antes.” A mulher é muito pálida e usa um lenço na cabeça. Traz um caderno com diversas datas nas mãos.

_È uma oferta, você nunca decidiu nada na vida, passou-a observando em dúvida, nunca arriscou ou apostou. Ofereço-te a chance de voltar ao parto e viver tudo de novo.

Hesitou. Pela última vez. Sentiu uma dor no peito aguda que lhe garantiu a certeza de alguma coisa. Os olhos pararam. Pela primeira vez não teve que decidir nada. A mulher de negro levou-a para sempre.

13/08/05.

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