1.9.07

Clube dos fetiches solitários

Esse ai era um roteiro de HQ que eu ia fazer com o Gabriel Gianordoli. Como o projeto nunca foi pra frente, transformei a primeira parte num conto:

O CLUBE DOS FETICHES SOLITÁRIOS

*Fiat Lux
(Closes de corpos fazendo sexo. A cada pensamento do narrador, um detalhe de corpo nu.)
Diz um dos clichês mais antigos, que você morre sozinho como nasce. Pode ser verdade se você considerar que: surgir de duas células de pessoas diferentes(um óvulo e um espermatozóide), passar nove meses dentro do corpo de outra pessoa, alimentando-se dos mesmos nutrientes, até sair pelo buraco do breu para uma sala com platéia cheia é uma experiência solitária. Esse é o nascimento. A morte, no entanto, é uma viagem sem volta, seja lá para onde se vai, é uma experiência individual. No curto tempo entre as chegada e a despedida, alguns passam a vida acompanhados, outros sozinhos em multidões e alguns isolados como eremitas em suas cavernas. Nós, do Clube dos Fetiches, somos solitários. Por trás de todos esses corpos, gritos forçados e orgasmos sofridos estão corações vazios...
Não sei se com todos é assim. Eu tenho uma certeza: nunca fui feliz ao lado de alguém, vou morrer sozinho. Esse é meu caminho.

1.Onan.
Essa é São Paulo, uma cidade suja. Pouca gente deve amá-la de verdade, como “ser físico”. Boas festas, boas pessoas, bons museus, bons empregos. Não pagam os dias preciosos roubados de nossas vidas. 8 horas de trabalho regular, uma de extra, duas no transito. Filas, mendigos nas ruas sujas, engarrafamentos , o rio Tietê, céu cinza. E eu caminhando sozinho recém contratado, agora um número numa carteira de trabalho.

Festa de lançamento de uma revista. Salão, garçons, pôsteres da revista nas paredes:
_ Prazer Ricardo Ronan, jornalista.
_Ricardo Onan! He, he, he, he- ela ri com uma taça de champanhe na mão.
_Não teve graça!
_Desculpe, eu achei um nome diferente.
_Ele é feio, mas me acostumei...
_Não é feio é diferente, tipo o meu: Audrey.
_Que nome bonito!
Ela tinha pés vermelhos, cabelos bem pretos e um piercing no nariz. Parecia estar brincando com a vida. Isso era um bocado sexy numa cidade onde as pessoas levavam tudo a sério e cinza. Cinza com tons de solidão.
***
TV1: Morre aos 42 anos, de ataque cardíaco, o humorista Bussunda
TV2: Faça exame do coração! Consulte seu médico!
TV3: Caminhe, malhe. Exercício é vida!
TV4: Compre o fantástico cinto elétrico emagrecedor, tenha uma barriga sarada sem esforço.
TV5: Coma McMerda Alegria! Queijo, bacon, calabresa e maionese, o sabor da felicidade!

_Audrey como as pessoas conseguem levar essa vida a sério? É tudo uma piada de dEUS: nascer pra morrer...
_Sei lá Ronan, às vezes você pensa demais, eu acho. Desencana, menino da boca vermelha! Você passou “glós” hoje?
_Babaca...
_Hum...Onan hahahahaha!

1)Gargalha mostrando os dentes.
2) Dentes grandes, boca bonita
3)Franzindo a sobrancelha.
4) Rolando da cama pro chão.

_Sacaninha, hehehehehe_ Ele começa com cara brava e depois vai rindo, rindo, rindo e gargalha, e abraçam-se, e beijam-se, e rolam no chão fazendo amor.

CORTA DE NOVO
Lágrimas brancas num vidro preto. Audrey chora num carro, ao volante. Chove branco num fundo preto. Ele está com a cabeça baixa
_Fudi de novo, né?
- Você sempre fode, Ronan, sempre fode, né? Será que você não consegue controlar essa porcaria ai_ aponta pro pênis dele.
_Nenem, eu tava muito bêbado, foram só 5 minutos.
_Seus cinco minutos já viraram um dia, Ronan, seus cinco minutos acabaram com nosso lance!
_Audrey você ta exagerando, me da mais uma chance. Audrey, eu...
_Ronan você acabou com tudo, Ronan, você...Ronan... Onan! HE,HE,HE,HE,HE,HE,HE_ Ela está puta e começa a gargalhar, abre a porta e sai na chuva. Lágrimas se fundem às gotas.
Ele encosta no capô, abaixa a cabeça, gargalha.
_Audrey, eu... Audrey, eu te amo porra! Close no olho dele, uma lágrima branca escorre no olho negro. Uma gota branca no vidro escuro. Fade out.

“Hoje chove muito, porque Deus chora”. (Racionais Mc’s)
***
Um laboratório clichê, todo branco com frasquinhos multicolores. Fumaça saindo dos vidros, um senhor de cabelos desgrenhados pretos, nariz grande, óculos, bigode e jaleco.
_Olá, classe, hoje analisaremos a ser humano. Este aqui_ aponta Ronan, sentando num banquinho nu, com uma régua_ é um homem. Homo Sapiens Sapiens do sexo, masculino. Age como um animal, mas considera-se superior. Nunca é feliz ao lado de alguém, mas sonha com a monogamia. Pensa só em sex, sex, sex! Acha que a mundo é puro sexa! Sexa pra fugir da morte! No fundo é apenas uma pobre animalzinho(Ronan se encolhe no chão como um roedor) tentando cumprir sua sina, nascer, crescer, reproduzir, reproduzir, reproduzir, reproduzir(simula sexo) e morrer. O meda do morte faz ela transar feito louco, pra tentar vencer vida. Deus dá morte, ele dá vida! Deus dá morte, ele dá vida! Deus dá morte, ele dá vida! Deus dá morte, ele dá vida!(fala se empolgando, girando os braços, descabelando-se). Vida!_ Bate com a régua em Ronan
_Vocês entenderam classe?
_ Sim Dr. Sofia
_Então boa noite, classe!
_Boa Noite Dr. Sofia.

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Ronan está sentando num banco de ônibus lotado, barba mal feita,olhar perdido em olhos fundos. Um cara encoxa uma mulher. Um outro se aproxima
_Cara de cansado, hein?
_É, dormi tarde...
_ Hum....
_Tava trabalhando.
_Heheheh, eu sei.
_ Dando aula...
_De sexo?
Ronan com cara de susto. A mulher encoxada vira pra trás e xinga!
Fluxo de pensamento: Estou andando no mesmo ônibus o dia todo, minha vida está assim: rodeado de gente ou acompanhado apenas pelo barulho da minha respiração estou sempre sozinho. Faltei no trabalho hoje, queria ser despedido. Continuo transando, penso em dispensar a camisinha e morrer de AIDS. (ônibus passa por pichação. “Jesus virá: Há salvação?”) Há salvação pra minha alma? Desde que Audrey se foi, emagreci três quilos, fiz poemas com sangue, tive pena de mim mesmo e, enfim, percebi que a vida seguia besta como esse ônibus. Já fiz o mesmo trajeto dez vezes, ida e volta. A dupla motorista e taxista deve achar que sou louco. Talvez eu esteja ficando. Já é noite.
Entra uma mulher no ônibus, todos os lugares ao meu redor vazio. Ela me olha nos olhos, meus olhos são cor de mel. Eles nunca me deixam na mão. Ela vai sentar do meu lado. Olha ao redor, disfarça. E senta. Do meu lado! Passam dois minutos
_Você tem horas?
_Espera ai, deixa eu ver meu celular. Droga! A bateria acabou, nem percebi...
_Tudo bem, não estou com muita pressa.
_ Aonde você vai?
_Vou a um clube. Encontrar meus amigos
_Você pratica alguma tipo de esportes?
_He, he, he, he. É pode se dizer que sim. Mas não é esse tipo de clube que você está pensando.É algo como... Sei lá, a maçonaria.
_Que saco! Maçonaria parece igreja, igreja é um porre. Só serve pra você não ficar desesperado sabendo que isso aqui é tudo um sonho.Que acaba...
_Você está desesperado?
_Já estive, muito, agora espero a hora...
_Você está sozinho?
_Sempre..._ Beija ela mordendo os lábios, cabelos compridos castanhos, boca carnuda. Boa de morder.
_Não! Pára!_ Ela levanta ofendida e senta no outro banco.
_ Qualé? Você não gosta de homem? Me chama pro clubinho de swing e depois fica toda ofendida!?
_Babaca!
_Desculpa, eu não quis dizer isso, só to me sentindo sozinho, queria alguém pra conversar.
PIIIIIIIIIIIIII!!!!!!!!!!! Ela aperta o botão para descer do ônibus. _Motorista eu fico aqui!
_Hey, eu te conheço! Da editora! Você faz revistas pra adolescentes! Sabia que te conhecia...
_Tchau!
-Espera ai!_ Pula do ônibus seguindo a mulher. Disfarça. Ela corre, ele se esgueira pelas ruas sujas de São Paulo. Mendigos em frente a uma igreja, caixas de papelão ao lado dum poste, lojas fechadas uma em seguida da outra. Cartazes gastos nas paredes pichadas. “É o lixo, é o lixo”, uma bossa nova distante.
Ela olha para trás para verificar se ele está vindo, quando certifica-se que não, caminha normalmente. É uma rua cheia de bares, sebos e galerias de arte. Em meio aos cafés, um sobrado: “Antiquário Sade”. Ela toca o interfone seis vezes. Abre-se o portão lateral. Ele faz o mesmo. Uma escada em espiral. Chegam num quarto escuro.
Ele a agarra por trás.
_Me solta!
_Você sabia que eu estava te seguindo!
_ME solta! Seu louco! Louco!
Beija sua boca a força, agarra seus braços, os dois caem no chão. Rolam, seus joelhos nos braços delas, rasga a camiseta, seios pulam pra fora, ele os beija. Ela tem um jeito levemente masculinizado, bunda grande, tênis Adidas. Ele abaixa a calcinha. Enfia!
_Louco! Louco! Louco!
“Será que estou ficando louco?”. Dois corpos, agora são um só. Enfim, ele não esta mais sozinho.
As luzes se acendem, os olhos de Ronan congelam. Respiração paralisada!
_Bem vindo Ronam, estávamos te esperando_ Eles estão no centro de um quarto, cercados por um bando de pessoas nuas.
Fade out

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