22.5.08

A noite quente de uma mulher fria.

Já não sabia o que fazer pra quebrar a geleira que envolvia a namorada. Estavam juntos há cinco meses e ela nunca tivera um orgasmo sequer, nadinha. Ele tentava de tudo: Kama Sutra, vinho, língua, Halls, mas a mulher não se animava, era fria. E com o tempo parou de querer fazer sexo. Cada dia era uma nova desculpa: dor de cabeça, sono, menstruação. Ele, indignado:
_ Isso nunca aconteceu comigo, antes, eu deixava as mulheres sempre loucas! Era um Casanova!

Tinha fama de ser “quente”, um “tarado”, diziam os amigos que moravam com ele, mas com essa pequena seus encantos não tinham efeito.

Um dia, estava conversando com o pessoal do trabalho no bar. Roda de amigos, cerveja vai, cerveja vem, uma dose de pinga e Delúbio abre o coração:
_ Não to agüentando mais a frieza da Joyce, ela parece um picolé de tão fria.
_ Acho que você não ta dando no couro direito, hein?_ Provocou um.
_Que é isso, rapaz! Eu sempre soube deixar as mulheres loucas, é que a Joyce é diferente das outras, ela parece que tem nojo de homem.
E parecia mesmo, era uma mulher fina, classe média alta, vinte e um anos, estudante de farmácia em universidade de freiras. Devia preferir a rigidez dos cadáveres à insistência do namorado. Odiava quando ele começava a encoxá-la na cama, enquanto dormiam de conchinha, parecia um animal. Ela sempre virava pro lado e ele a abraçava por trás, às vezes apertava seus peitos. Os homens não conseguiam viver sem sexo, pareciam doentes. Só a mulher sabe amar de verdade. Mesmo assim, ela era um doce; partidão, finíssima, filha de médicos, tinha estudado um ano nos eSATDOS uNIDOS, traços delicados, olhos claros, loira, cabelos lisos compridos. De corpo era bem magra, de poucos quadris. Muito inteligente e culta, adorava cinema, especialmente o francês e Quentin Tarantino, costumava dizer:

_Tenho fascínio, por Tarantino, quero morrer assistindo a um filme seu.
Talvez gostasse do excesso de sangue e cadáveres. Era também um bom papo, por dentro do que estava acontecendo no mundo. Muito doce e educada, tinha vergonha do próprio corpo, nunca se tocara dizia:
_Prefiro ser violentada do que me tocar!
Uma santa! O único problema era o sexo, se ela não gostasse, mas fizesse, ainda vá lá. Mas o que Delúbio não suportava era ficar duas semanas, ou mais, na abstinência.
Foi aquele, dia no bar, em meio aos deboches, que um dos amigos falou sério:
_ Olha, Delúbio_ o nome dele era Dirceu_ Você devia dar graças a Deus por essa mulher! Casa com ela, que ela é uma santa! Mulher fria não trai! Tudo que as mulheres querem é um orgasmo, se elas gozam te largam ou começam a dormir com outros. A mulher frígida é a única que é fiel até a morte.
Dirceu falava com conhecimento de causa, já tinha casado quatro vezes. Era professor de comunicação, agora estava namorando uma aluna. Fumava um cigarro atrás do outro, inclusive durante as aulas, não parava de fumar nem na sala de aula. Dizia que não tinha medo do câncer:
_O câncer é a doença mais bonita do mundo, porque não se pega através do sexo. O câncer não se pega de ninguém, é a única doença pura, individual.
O professor podia não entender de medicina, mas já tinha experiência em casamentos e entendia de música. Tocava em uma banda de jazz. Dizem que os músicos fazem sucesso com as mulheres, então isso lhe garantia ainda mais credibilidade com Delúbio.
_Mas Dirceu, ela não vê graça nenhuma no sexo, isso é muito triste. Um casal precisa do sexo pra continuar junto.
_Você não entende nada de amor, menino. Minha primeira mulher ficou paralítica depois de um acidente de carro. Não mexia nada do pescoço pra baixo. Completamente frígida, a mulher que eu mais amei. A única que eu amei de verdade. Nunca me traiu antes, nem depois do acidente, uma santa. Ficou um ano daquele jeito e morreu, queria fazer um altar pra ela. Amor não precisa de sexo, sem sexo é até melhor. “Amor é pra sempre, e se acaba não era amor”.
_Nélson Rodrigues?
_ Isso mesmo, ele tava certo, eu amo a Dilma até hoje.
Mas Delúbio não se conformava: “Como a Joyce podia ser tão fria?” Preparou uma noite especial pros dois: vinho, luminária de estrelas, velas e sua música favorita. A mulher achou lindo.
_ Parece um filme francês!
Tomaram o vinho, conversaram horas, beijaram-se. Ele a despiu suavemente, beijando seu corpo de forma doce. Disse que a amava, ela corou. Colocou o preservativo, beijou todos os detalhes do corpo. Começaram, dois minutos e ela sentiu dor. Não acreditou, tentou continuar, mas ela implorou:
_ Para, benzinho, que você ta me rasgando por dentro.
Pediu desculpas a ele.
_Não foi nada meu bem, só quero fazer quando você estiver afim.
Tinha sido, sentiu-se frustrado, odiava começar e não terminar. Sentiu-se um fracasso, impotente, o mais baixo dos homens, o pior de todos amantes. Como ela podia resistir as suas investidas? Ele que fizera tantas mulheres tremerem de paixão? Não entendia como ela podia simplesmente virar-se pro lado e dormir, com toda a inocência do mundo... Talvez fosse um anjo, casto, puro! Era isso, não tinha malícia, era um anjo inocente, amou-a mais. Já estava conformando-se:
_ O Dirceu tem razão, a mulher frígida deve ser a melhor mesmo.
Passou a tentar aceitar a namorada, marcaram até casamento. Estavam há seis meses juntos, ela quis casar na igreja, ele, por amor, aceitou. Não suportava igreja, quando era pequeno ia dormir na casa da avó toda sexta-feira. Ela era muito católica e não se conformava do ateísmo precoce do neto. Perguntava toda noite pra ele:
_ Delúbio, você crê em Deus?
E não apagava a luz até que ele respondesse, se ele dissesse que não era pior: a velha ficava tentando convence-lo a noite toda. Passou a dar respostas abstratas como “Eu acredito no amor”, ou “Existe uma força cósmica maior”. Tinha pavor da vó, vivia andando de bengala e cheirava morte, só falava de doenças e desgraças alheias.
_Eu só morro com cem anos!
Queria que morresse logo, sentia-se mal por pensar assim, mas não suportava aquelas noites de sexta-feira, a vó comendo chocolates com gula: “Quer um chocolatinho, Delúbio?” Tinha os dentes sujos de chocolates, odiava dentes sujos de chocolate, tinha pavor, nojo! Se um dia Joyce sorrisse para ele com os dentes sujos de chocolate era capaz de largá-la no altar. Sempre que ele comia um bombom, passava os dentes freneticamente na língua, ou ficava olhando o sorriso no espelho. Tinha horror! Enfim, se não amasse tanto a noiva frígida, não casaria na igreja.
Encontrou-se com os amigos, iriam fazer uma festinha para os noivos.
_ Resolveu seu problema, Delúbio?
_Que nada, to até achando graça, sabia?
_Anote ai, Delúbio, não há mulher como a fria, elas são as que morrem com a gente. A mulher da nossa vida é a que morre ao nosso lado.
Estava achando Dirceu um profeta, e Joyce parecia mesmo ser mulher pra toda uma vida.
_Te amo mais que tudo, Delúbio!
Parecia mesmo, quanto mais ele respeitava sua abstinência, mais ela parecia amá-lo. De uma hora para outra, parecia que o noivo compreendera. “Talvez tivesse feito um voto de castidade”, pensava ele. Talvez fosse mesmo uma santa. Dava-lhe prazer a inocência da menina, mesmo não transando, ela fazia questão que dormissem juntos. Gostava da sua presença e de conversar com ele.
_Eu quero dormir com você, mesmo que seja pra gente não transar. Eu gosto de ficar assim contigo.
Era linda, conversavam até que ela não agüentasse mais e fechasse os olhinhos. Às vezes despertava e tentava continuar o assunto, mas falava alguma coisa absurda. Uma santa! Um anjo puro!
Chegou o dia da tal festa para os noivos, foi em uma danceteria. Estavam todos muito felizes. Dirceu, Silvio e Valério estavam lá e várias amigas da Joyce também, a noiva parecia surpreendentemente empolgada naquele dia e bebia mais que o normal. Delúbio, que era um bebedor nato, estava contido, a suposta santidade da noiva parecia tê-lo inspirado a uma vida mais regrada e sem excessos, pensava até em parar de beber.
_ Benzinho, você não acha que está exagerando na dose?
_É que eu estou tão feliz, Delúbio, você é o homem perfeito pra mim: inteligente, carinhoso, romântico...Eu te amo.
_Também te amo, benzinho.
Estava muito feliz, Joyce dançava com as amigas e ele conversava com Dirceu:
_ É uma santa! Uma santa!
_A mulher que atinge o orgasmo perde o interesse no seu homem, Delúbio, dê graças a Deus pela Joyce ser fria! Graças a Deus! Ai, como tenho saudade da minha Dilma, paralítica, deitadinha na cama, era um anjo, rapaz! Um anjo com as asas quebradas!
Deu três horas da manhã, e Joyce quis ir embora:
_ Você vem comigo?
_Isso é um convite ou caridade?
_É um convite, seu bobo, eu quero que você venha comigo!
Falou de um jeito estranho, parecia ter fogo no olhar, Delúbio sentiu medo. Lembrou do que Dirceu lhe falara “A mulher frigida é a única que não trai”. Devia ser paranóia dele, a Joyce sempre gostava que os dois dormissem juntos. Chegaram na casa dela, a moça tomou um copo de leite e foi pro banheiro. “Gozado, a Joyce nunca tomava leite, fazia mal pro seu estômago”. Ela parecia muito feliz, beijou-lhe na boca com paixão, acendeu uma luminária vermelha, saiu do banheiro com a maquiagem retocada. Muito sensual. Abraçou o noivo com paixão:
_ Te quero!
Delúbio sentiu um calafrio correndo a espinha, será que a mulher tinha se curado? Rolaram na cama, Joyce estava diferente, tomava a atitude, beijava o corpo do futuro marido, ensandecida pelo álcool. Delúbio começou a gostar da coisa, achou que Dirceu estava errado. Nada como ter uma mulher que ame a gente. “Um anjo na rua e um diabo na cama”, pensava. Fizeram todo tipo possível de preliminar, quando Delúbio a beijou tanto no ponto X, que ficou louca, Joyce implorou:
_ Agora, vem cá, que eu te quero!
Virou-se de costas, o rapaz ficou doido, adorava de costas e ela sempre se recusava. Achava muito “animal”. Fizeram amor com vontade.
_ Fala palavrão, Delúbio! Eu fico louca com um palavrão! Me xinga, Delúbio! Me xinga! A coisa que me deixa mais doida é um palavrão no ouvido!
O rapaz perdeu o controle, parecia que ia ter um troço, já tivera um orgasmo e continuava lá dentro. Joyce mandou:
_ Agora, eu quero de quatro.
Os olhos de Delúbio saltaram. “De quatro”? De quatro ele ficava louco, uivava, entrava na mulher com vontade. Nunca tinham feito assim, ela nunca deixava. Enfiou com força, ela pedia:
_ Me rasga Delúbio, me faz gozar! Me faz gozar!
Gozaram juntos, ele pela segunda vez. Desmaiou em cima dela, mal teve forças pra tirar o preservativo. No dia seguinte transaram de novo, mais duas vezes! Um recorde pro casal! Saiu de lá realizado:
_Resolvi meu problema, resolvi meu problema!
A noiva tinha uma cara ótima, satisfeitíssima! Conversaram a manhã inteira sobre bobagens, parecia que seriam o maior casal do mundo, um casal perfeito. Já se davam tão bem sem sexo, imagine agora! Delúbio saiu de lá com dez reais, sonhos e a certeza de que aquela mulher nascera para ele. Pensou em ligar para o Dirceu e acabar com amigo, quis chamar-lhe de impotente! Que mulher fria o caramba! Aquilo era desculpa de incompetente!
Acordou todo o pessoal da república: um advogado e um médium.
_Olha só pessoal, hoje eu pago a rodada de cerveja!
***
Conversou com Joyce só no dia seguinte, tinha ido pra casa da mãe em Campinas:
_ Benzinho, o que você está fazendo ai?
_Olha, Delúbio, já mandei cancelar a igreja, não vai mais ter casamento.
_Como assim não vai mais ter casamento?
_Eu não sei mais o que sinto por você, Delúbio, não sei o que quero. Acho que sinto nojo!
_Nojo?
Joyce desligou, nunca mais conversaram, uns dizem que entrou num convento, outros que caiu na vida. Delúbio casou-se dois anos depois. Com uma paralítica.
21/07/05.

2 comentários:

Energizaizer's Corporation disse...

daqui uns tempos teremos Memórias de um Perdedor em pocket book, né! =]

Frico disse...

Se eu tiver coragem de mandar pra algumaa editora e eles tiverem coragem de publicar...

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