27.10.07

Buk, o velho tarado

-Leia mais contos

Falando em Bukowski ai vai um konto com a participação do próprio. Escrevi isso pro pseudo-livro "Amor em tempos de Aids". Quem tiver paciência que leia até o fim.

***
Buk, o velho tarado.

Eu já não tinha tantas ilusões em relação à literatura naqueles tempos. Me achava limitado, mas as pessoas diziam que eu escrevia bem. Não poesia. Nada disso! Jornalismo. Jornalismo?! Que merda é essa? Qualquer um escreve jornalismo, é tudo enrolação pura, mentiras... Um jornalista pode escrever qualquer coisa. Eu fazia notícias com versos. Poemas construídos com realidade. Alguns tinham cheiro de incenso ou felicidade, outros tinham cheiro de diarréia e morte. As pessoas não percebiam, diziam que meu texto era “gostoso de ler...”
Veja só: vinte e um anos, desempregado, barba rala, medo de pegar AIDS. Nunca tinha tido emprego fixo e minha mãe vivia me xingado por isso. Nunca tinha sido feliz ao lado de alguém e ia morrer sozinho. Era mais novo que Cristo, mas já tinha bebido de tudo, menos álcool puro. Até Absinto falsificado e cachaça caseira. Meu fígado tinha diminuído dez centímetros em um ano. E eu tinha diarréia sempre que exagerava na manguaça. Bebia cinco vezes por semana e exagerava três. Tinha semanas que eu bebia todos os dias e exagerava cinco, era uma conta humilde perto de alcoólatras ilustres como o senhor Charles Bukowski, escritor, poeta e bebum de talento.
Bastardo! Tudo que eu escrevia soava como cópia subdesenvolvida daquele velho tarado. Eu queria matar o Bukowski de novo só para ser original. Maldito filho da puta. Dormi as quatro da manhã. Fiquei assistindo filme pornô na televisão.
Acordei antes do meio-dia. Mal-humorado. A folgada da minha irmã(ia usar “vagabunda”, mas achei que soaria como puta) nunca acordava cedo. Por mais barulho que se fizesse ficava sempre dormindo. O telefone podia se esgoelar todo e ela não levantava a carcaça do lençol, às vezes até o tirava da parede, para não ter que se preocupar. Eu ainda tinha um pouco de responsabilidade.
_ Alô, quem fala?
A voz que respondeu soava velha e cansada. Parecia ser familiar, mas eu não sabia quem era. Odeio quando começam a conversar sem se identificar. O cheiro de whiskey barato exalava pelo telefone:
_ Seu maricas, o que está fazendo acordado a essa hora?
_ Um filho da puta ligou aqui em casa e não desistiu até me tirar da cama.
_ E por que você não tirou o telefone do gancho?
_ Porque me sobra um pouco de responsabilidade. Se meus pais morrerem, por exemplo, como é que eu vou saber?
_Essas coisas a gente sempre fica sabendo. Notícia boa é que não chega nunca. É por isso que você nunca vai ser poeta de verdade.
_ Quem é você, hein, seu desgraçado? Me ligando antes do almoço pra discutir poesia?
_ Você é uma cópia juvenil e terceiro-mundista do Bukowski, isso é que você é.
_ Ah, essa não... Vou desligar o telefone, velho doente.
_ Não gosta de ouvir umas verdades, meu bem? E você nem agüenta beber que nem macho... Tem vinte e um anos e já quer parar de tomar uns tragos.
_ Quem é você pra cuidar da minha vida? “Cê” anda me espionando? Aposto que é pederasta! Quer fazer sexo pelo telefone, é, velho tarado? Eu tenho vinte e um anos, mas já tenho cabelos brancos, to ficando careca, tenho pêlos no nariz e dor nas costas.
_ É, você também é azarado. Só que não tem personalidade... Essa idéia de conversar no telefone com um autor que te inspirou... Isso eu fiz nos anos setenta com o Heminghway e de uma forma bem mais criativa.
_ Ah! Vai se foder! Quem é você? Bukowski?Você me inspirou tanto quanto Nélson Rodrigues ou Rubem Fonseca. Aliás, senhor sabe tudo, foi o livro do Rubem Fonseca que eu recomendei pro Bernardo aprender a escrever kontos.
_ Olha, garoto, você até pode ter futuro, mas tem que ler o dobro e passar fome.
_ Eu vou passar a mão na sua bunda, velho veado!
_Você é muito macho pelo telefone, né, garotão? Só que tem medo de morrer e nunca entrou em briga de verdade.
_ Teve aquela vez na quarta série...
_ Que você tomou um murrão no nariz?
_ Velho bastardo...
_ Olha garoto liguei só pra você não desistir de escrever. Você tem talento...
_ Na poesia?
_ No jornalismo...
_ Velho, maldito! Qualquer merda faz jornalismo! Você também fez faculdade de comunicação e virou carteiro...
_ A gente tem que viver a vida antes de escrever.
_ Quer que eu vire carteiro?
_ Quero que você vire homem. “É tão fácil ser poeta e tão difícil ser homem”. *
_ Certo, velho. Espero que você seja o Buk, mesmo, sabe por quê?
_ Você vai chorar de emoção e pedir um autógrafo?
_ Não, eu vou te matar! Ai ninguém mais vai achar que eu copio Bukowski.
_ Pode vir franguinho, eu ainda tenho um bom cruzado de direita.
_ Velho bêbado, ainda vou te mandar pro inferno!

Desliguei o telefone na cara do imbecil. Depois me arrependi. Achei que pudesse ser o Bukowiski mesmo, afinal: nem todo mundo exala cheiro de álcool pelo telefone. Pelo menos, ele tinha dito que eu podia ter futuro. Resolvi continuar tomando cerveja e parar com a pinga. Continuei escrevendo jornalismo em versos e as pessoas continuaram falando que meu texto era “gostoso de ler”. Talvez não fosse nada. Acho que eu só estava ficando meio doido.

* Charles Bukowiski.
20/02/05.

3 comentários:

Ana Alice disse...

para um nível de honestidade suficientemente profundo, invista no conhaque. bjs

André HP disse...

"_ Você é uma cópia juvenil e terceiro-mundista do Bukowski, isso é que você é."
Faço minhas palavras!

O último parágrafo teve uma sacada fantástica. Eu compraria teu livro se fizesse.

Abraço.

Frico disse...

Salve, André! Não é feio comentar posts antigos não. É legal, ainda mais os contos e poesias que são a parte mais sincera do blog. Que bom que vc compraria um livro. Quando eu fizer um, não vão ficar todos encalhados no estoque, hehehe Abrax!

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