Seus cabelos vão ficando brancos, Frico
Nasci numa época de esperança, ano das Diretas Já, ano do caos de George Orwell
Ditadura militar desmoronava como o muro
que ruiu no ano em que um operário quase virou presidente da República
Não lembro muito do útero, só que gostava muito de lá. Sentia-me protegidoÀs vezes queria voltar pro útero, que parecia ser meu verdadeiro lar
Seus cabelos vão ficando brancos, Frico
Migrei para o interior, onde rolei na relva verde e me acostumei com o luar estrelado do
sertão
Li meu primeiro livro com 6 anos e não parei nuncaMeu pai lia muito todos aqueles nomes esquisitos como Freud, Nietzsche, Marx e Henry Miller
Não sabia se Eça de Queirós era homem ou mulher. Que pessoa é Eça?
Seus cabelos vão ficando brancos, Frico
Meu pai lutava judô e minha mãe pintava quadros psicodélicos
Ela era bonita e nos colocava para desenhar ao som de Pink Floyd
Eu achava Andoniran Baborsa engraçado e ainda acho, eu tinha um cachorro vira-latas e
nosso bairro era um pouco feio
Eu não podia brincar na rua como os vizinhos porque era perigoso. Ser atropelado. Um cigano.Um tarado.
Meus vizinhos pareciam com os pobres que eu via na televisãoSeus cabelos vão ficando brancos, Frico
O anarquismo vinha depois do comunismo, que vinha depois do socialismo, que vinha
depois da derrota do capitalismo.
Mas os russos entregaram os pontos de vez em 1991. Assisti as Olimpíadas de 1992 sem a URSSA copa de 1994 é nossa, o Brasil é tetra e eu sou muito perna de pau.
Sempre fui o último a ser escolhido na Educação Física.
Seus cabelos vão ficando brancos, Frico
Estudei em escola pública dos 5 até os 9 anos
Odiei a escola de freiras onde meus pais davam aula.
Eu era bolsista, ateu e não sabia jogar bola. Era estranho e diferente.
Meus pais eram estranhos e diferentes e ninguém no interior entendia a gente.
Seus cabelos vão ficando brancos, Frico
Eu passei recreios inteiros sozinho lendo Gulliver
Eu esperava a entrada para aula, sozinho, lendo Graciliano Ramos
Eu me divertia sozinho lendo gibis do X-Men.
E eu só tinha 10 anos.
Seus cabelos vão ficando brancos, Frico
Mutações em minha carne: estiquei, emagreci, desafinei. Pelos desabrocharam
Tudo antes dos outros.
Uma menina disse que meus olhos eram bonitos. Mas só os olhos.
O irmão da Sabrina Sato disse que eu tinha cara de rato.
Seus cabelos vão ficando brancos, Frico
Me apaixonei pela primeira vez com 13 anos. De verdade. Pela menina que todo mundo se
apaixonava.
Ela era loira e tinha uma bunda redonda, grande e bonita. A maior da sala.Eu gostava das bundas. Bastante.
Escrevi poesias pra ela.
Versos de amor não eram meu forte...
Escrevia porque a vida me angustiava e, se fosse feliz, não escrevia mais nada.
Seus cabelos vão ficando brancos, Frico
Pilhas poeirentas de quadrinhos de super-heróis, RPG e... A INTERNET.
Tinha mulheres com bundas grandes lá e elas gostavam das minhas poesias.
Me apaixonei pelo rock 'n' roll em 1996. Perdidamente.
Criei um fanzine em 1997 com um amigo e meu irmão.
Em 1998, comecei a tocar violão.
****
Seus cabelos vão ficando brancos, Frico
Minhas calças se rasgaram, os fios de cabelo se espetaram e um brinco se alojou em minha
orelha esquerda.
Eu era punk, como aqueles que eu via na tv. Eu era alguém e tinha um grupo.As pessoas tinham medo de mim, e eu gostava. Fiz outro furo na orelha e comprei um bracelete.
Toquei em palcos imundos dos subúrbios, em praças e em centros culturais.
Pulei, gritei e tive convulsões públicas para animar platéias de meia dúzia de pessoas.
Tive bandas, zines, programas na rádio e meu primeiro romance. Durou 3 meses.
Seus cabelos vão ficando brancos, Frico
Aos poucos entendendo as mulheres.
Adeus mãe gigante, grande, acolhedora, tribal, arquetípica, freudiana.
***
Crescer dói. Descobri que morava na periferia. Um amigo me disse.
"FrIco G mora num lugar perigoso".
Tinha pessoas pedalando de volta para casa às 18h, velhos conversando na calçada
Um vizinho era lixeiro, mas depois foi preso. Polícia passa. Boca de fumo do bairro. Mas nunca
prende ninguém.
Conheci garotos que já tinham vivido mais que homens.Um cara da classe mata alguém. Outro internado em uma rehab. Menino assalta venda
com uma arma.
Pobre demais pra ser branco e claro demais pra ser um negro.Queria um lar que não fosse mais um útero.
Seus cabelos vão ficando brancos, Frico
Pais rígidos. Castigo.
Seus cabelos vão ficando brancos, Frico
Assisti a queda das Torres Gêmeas na escola e as pessoas comemoraram.
Minha tia americana ligou chorando pra minha mãe.
Me arrependi
Senti o grande império WASP ruindo. Como um rato que rói a roupa do rei de Roma.
***
E, pesando 59 kg, eis o primeiro lugar em uma faculdade pública de jornalismo.
Comecei a beber. Comecei a viver.
Aos 18 anos, vida ganhava cores e cheiros.
Seus cabelos vão ficando brancos, Frico
Voei até os EUA e freqüentei convenções anarquistas e shows de hardcore.
Tive medo de avião. Tive medo de morrer. E tive medo da vida.
Conheci pessoas maravilhosas, que amei como irmãos.
Conheci mulheres maravilhosas, que amei ou não.
Seus cabelos vão ficando brancos, Frico
Participei.
De protestos, trupes de teatro, bandas de rock, festas, gangues de discussão de filosofia, programas de tv e filmes amadores.
Vivi 40 anos em 4
Seus cabelos vão ficando brancos, Frico
Acreditei no Fórum Social Mundial de Porto Alegre, onde conversei com pessoas de todos os continentes que acreditavam
Que um outro mundo era possívelE eu ainda acredito. Você não?
Seus cabelos vão ficando brancos, Frico
Dormi com as mais feias e as mais bonitas. E as pintei lindas.
Tive a mulher que achei que não teria e a perdi.
Chorei muito, mas fui mais feliz do que triste.
Seus cabelos vão ficando brancos, Frico
Pânico. Mãos formigando, taquicardia. Achei que ia morrer.
Me arrastei por seis meses em direção a vida de adulto.
Cortei o cabelo, arrumei um emprego, entrei no túnel do metrô imergindo em depressão
A cidade de São Paulo era cinza e fedia como merda, como morte, como dor.
No Butantã mendigos alados e ratos dilacerados faziam coro com as putas tristes, os travecos
de peruca
Os vendedores ambulantes, os botecos imundos, os porteiros nordestinos, os malucos de rua,as crianças ranhentas.
Eu voltara à miséria, comendo um prato de cinco reais com tomate, cebola, arroz, feijão e um frango horrível.
Seus cabelos vão ficando brancos, Frico
Mas ganhei dinheiro, vendi minhas letras e ideias por um preço razoável
Viajei, então, e pude ver o mar. Foi lindo. Toda aquela imensidão azul. Penetrou em mim.
Lágrimas lubrificaram o âmago.
Achei uma mulher com asas que voou comigo e tive que abandonar as outras por justa causa.No começo foi difícil, mas aprendi que fidelidade acontece por vontade, não obrigação.
Acalmei meus demônios internos em sessões de terapia, aulas de Yoga e noites com minha
preta
Seus cabelos vão ficando brancos, Frico
Expulsei Édipo de Tebas aos bicudos no cu.
Doeu
Aceitei que podia ser feliz e ter um pouco de dinheiro
Mas nunca desisti.
Continuo sendo uma fábrica de sonhos e ilusões.
Seus cabelos vão ficando brancos, Frico
Assisti ao Pânico em SP tocado pelos ataques do PCC
Vivi os tempos da Gripe Suína, o medo de uma epidemia, a crise financeira de 2009.
Errei feio, pedi perdão, me senti culpado e chorei
E escrevi, e li, e gozei, e amei, e bebi, e fumei, e dancei, e abracei, e sonhei
Seus cabelos vão ficando brancos, Frico
Sigo a sina
Estou há mais de dez anos tentando escrever poesia
Os cabelos estão ficando brancos, mas as palavras insistem em soar vazias.
Frico escreveu esse punhado de versos ai em cima. Ele andou lendo muito Walt Whitman, Ginsberg e Ferlighetti e por isso fez um poema tão grande. Leia mais trabalhos dele aqui. Ah, ele também tem um blog, o Punk Brega.
3 comentários:
Bárbara disse...
Dez anos depois, acho que conseguiste terminar! E muito bem !
26 de Julho de 2009 16:58
Anônimo disse...
Seus pais me dão aula.
Passo parte do meu tempo lendo o que vejo pela frente(não tenho mais 10 anos para passar o intervalo tão solitário).Já pensei em fazer algo que gosto mas,pouco a pouco, a ganância falou mais alto e meus cabelos sequer desbotaram.Mantenha-se firme meu caro,figuras como sua família mudam mesmo o modo de pensar de alguém e isso já é um começo.Se soubesse o que uma camisa da DASPU(usada pelos professores de história num colégio franciscano frequentado por gente que imagina ser alguma coisa só por ter dinheiro)pode causar...me sinto quase uma alface no meio de uma salada de frutas.
15 de Agosto de 2009 16:09
Fred Di Giacomo disse...
Valeu, Anônimo! Espero que as aulas de história e as histórias da aula te ajudem ai na vida!
Velho: essa parada ficou louca.
Vertiginoso o bagulho.
Ass: Pantera
Curtiu, Panterinha? Eu estava pensando em tirar do blog. Vou deixar!
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