28.12.09

Charles Baudelaire - As Flores do Mal

-Augusto dos Anjos, poeta da ciência e dos vermes

Lesbos

Mãe dos jogos do Lácio e das gregas orgias,
Lesbos, ilha onde os beijos, meigos e ditosos,
Ardentes como os sóis, frescos quais melancias,
Emolduram as noites e os dias gloriosos;
Mãe dos jogos do Lácio e das gregas orgias;

Lesbos, ilha onde os beijos são como as cascatas,
Que desabam sem medo em pélagos profundos,
E correm, soluçando, em maio às colunatas,
Secretos e febris, copiosos e infecundos,
Lesbos, ilha onde os beijos são como as cascatas!

Lesbos, onde as Frinéias uma à outra esperam,
Onde jamais ficou sem eco um só queixume,
Tal como Pafos as estrelas te veneram,
E Safo a Vênus , com razão, inspira ciúme!
Lesbos, onde as Frinéias uma à outra esperam,

Lesbos, terra das quentes noites voluptuosas,
Onde, diante do espelho, ó volúpia maldita!
Donzelas de ermo olhar, dos corpos amorosas,
Roçam de leve o tenro pomo que as excita;
Lesbos, terra das quentes noites voluptuosas,

Deixa o velho Platão franzir seu olho sério;
Consegues teu perdão dos beijos incontáveis,
Soberana sensual de um doce e nobre império,
Cujos requintes serão sempre inesgotáveis.
Deixa o velho Platão franzir seu olho sério.

Arrancas teu perdão ao martírio infinito,
Imposto sem descanso aos corações sedentos,
Que atrai, longe de nós, o sorriso bendito
Vagamente entrevisto em outros firmamentos!
Arrancas teu perdão ao martírio infinito!

Que Deus, ó Lesbos, teu juiz ousara ser?
Ou condenar-te a fronte exausta de extravios,
Se nenhum deles o dilúvio pôde ver
Das lágrimas que ao mar lançaram os teus rios?
Que Deus, ó Lesbos, teu juiz ousara ser?

De que valem as leis do que é justo ou injusto?
Virgens de alma sutil, do Egeu orgulho eterno,
O vosso credo, assim como os demais, é augusto,
E o amor rirá tanto do Céu quanto do Inferno!
De que valem as leis do que é justo ou injusto?

Pois Lesbos me escolheu entre todos no mundo
Para cantar de tais donzelas os encantos,
E cedo eu me iniciei no mistério profundo
Dos risos dissolutos e dos turvos prantos;
Pois Lesbos me escolheu entre todos no mundo.

E desde então do alto da Lêucade eu vigio,
Qual sentinela de olho atento e indagador,
Que espreita sem cessar barco, escuna ou navio,
Cujas formas ao longe o azul faz supor;
E desde então do alto da Lêucade eu vigio

Para saber se a onda do mar é meiga e boa,
E entre os soluços, retinindo no rochedo,
Enfim trará de volta a Lesbos, que perdoa,
O cadáver de Safo, a que partiu tão cedo,
Para sabe se a onda do mar é meiga e boa!

Desta Safo viril, que foi amante e poeta,
Mais bela do que Vênus pelas tristes cores!
- O olho do azul sucumbe ao olho que marcheta
O círculo de treva estriado pelas dores
Desta Safo viril, que foi amante e poeta!

- Mais bela do que Vênus sobre o mundo erguida,
A derramar os dons da paz de que partilha
E a flama de uma idade em áurea luz tecida
No velho Oceano pasmo aos pés de sua filha;
Mais bela do que Vênus sobre o mundo erguida!

- De Safo que morreu ao blasfemar um dia,
Quando, trocando o rito e o culto por luxúria,
Seu belo corpo ofereceu como iguaria
A um bruto cujo orgulho atormentou a injúria
Daquela que morreu ao blasfemar um dia.

E desde então Lesbos em pranto lamenta,
E, embora o mundo lhe consagre honras e ofertas,
Se embriaga toda noite aos uivos da tormenta
Que lançam para os céus suas praias desertas!
E desde então Lesbos em pranto lamenta!

As Flores do Mal

Este clássico, do tipo que parecem várias obras numa só, é composto por 159 poemas divididos entre “Ao Leitor”, “Spleen e Ideal”, “Quadros Parisienses”, “O Vinho”, “Flores do Mal”, “Revolta”, “A Morte” e “Poemas acrescentados na edição póstuma”. Todas poesias são escritas em francês, com exceção de “Franciscae Meae Laudes”(latim) e de um tradução do inglês omitida na edição brasileira(Le Calumet de Paix).

Percussor do simbolismo e chamado de “poeta da modernidade”, Baudelaire traz ainda em seu livro, de 1857, ecos do ultra-romantismo da geração “Mal-do-século” e vestígios do Parnasianismo em suas descrições de obras de arte e hinos à beleza, além do rebuscamento das rimas. A oposição “luz/trevas”, “Deus/Satã”, “morte/vida” é constante. Alguns poemas são descrições de quadros(Baudelaire foi crítico de arte), muitos têm referências à mitologia grega e a passagens bíblicas, além de referências literárias variadas. Gatos, vermes e vampiros são figuras constantes. 3 dos “Quadro Parisienses” são dedicados ao escritor Victor Hugo.

A Negação de São Pedro

O que há de fazer Deus do fluxo de heresias
Que sempre vai subindo às suas mansões brandas?
Tirano a se saciar de vinhos e viandas,
Dorme ao doce rumor das blasfêmias mais frias.

Os soluços dos que foram martirizados
São uma sinfonia embriagadora e augusta,
Pois, apesar do sangue que a volúpia custa,
Jamais deles os céus se sentiram saciados!

- Recorda-te, Jesus,da cena do horto, quando
Imploravam a orar os teus joelhos escravos
Ao que no céu se ria do rumor dos cravos
Que em tua carne punha algum algoz infando;

Quando viste escarrar na tua divindade
A crápula, a ulular, da guarda e do bordel,
E sentiste o amargor do vinagre e do fel
Na boca em que vivia a imensa humanidade;

E quando a lentidão de teu corpo partido
Teus braços alongava e teu suor e teu sangue
Eram destilação de tua fronte langue,
E quando foste a cada um em alvo erigido,

Estavas a pensar no dia de recamos
Em que vieste a cumprir a promessa eternal,
E pisavas, montando o mais meigo animal,
Caminhos que eram luar de flores e de ramos,

Em que, o teu coração imenso de esperança,
Para expulsar os vendilhões foste violento
E no teu templo enfim? Ah, o arrependimento
Teu flanco não entrou mais fundo do que a lança?

- Por certo eu sairei, quanto a mim satisfeito
Deste mundo em que ao sonho a ação não é associada:
Possa eu usar da espada e morrer pela espada!
- Pedro negou Jesus... e foi muito bem feito!

Charles-Pierre Baudelaire (Paris, 9 de Abril de 1821 — Paris, 31 de Agosto de 1867) foi um poeta e teórico da arte francês.

-Leia "Um Visão Memorável", de William Blake


O Vampiro

Tu que, como uma punhalada,
Entraste em meu coração triste;
Tu que, forte como manada
De demônios, louca surgiste,

Para no espírito humilhado
Encontrar o leito e o ascendente;
- Infame a que eu estou atado
Tal como o forçado à corrente,

Como ao baralho o jogador,
Como à garrafa o borrachão,
Como os vermes a podridão,
- Maldita sejas, como for!

Implorei ao punhal veloz
Que me concedesse a alforria,
Disse após ao veneno atroz
Que me amparasse a covardia.

Ah! pobre! o veneno e o punhal
isseram-me de ar zombeteiro:
"Ninguém te livrará afinal
De teu maldito cativeiro.

Ah! imbecil - de teu retiro
Se te livrássemos um dia,
Teu beijo ressuscitaria
O cadáver de teu vampiro!"



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Um comentário:

###a.l.#### disse...

Occasum

Autor: Orácio Felipe
Descrição :
Johann é imortal. Mas a imortalidade carrega consigo muitas angústias. A maior delas, a falta de um amor que a acompanhe. Ele buscava, como criatura das trevas, uma companheira que pudesse transformar. Ele buscava um antídoto e havia conquistado alguma força compondo poesias, admiradas tanto pelos seus criados, Igor e Fredy, quanto por aqueles que o perseguiam. Seus buquês de palavras, como costumava chamar, eram entregues àquelas que admirava. Mas havia uma única rosa em seu caminho, para a qual ele passaria a dedicar sua existência, que não era efêmera. Um vampiro buscando extinguir sua chama assassina através do amor de uma mulher. Pode um soneto aplacar as angústias do frio coração de uma criatura?
www.clubedosautores.com.br

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