3.8.09

De como me tornei serviçal de um vampiro em tempos de Gripe Suína - Parte 1

Punk Brega aproveita o hype em cima de vampiros e epidemias para lançar mais um conto, que será publicado semanalmente às segundas-feiras.

-Sim, eu já fiz um conto sacaneando o Paulo Coelho


Era uma descida longa até minha casa. Ficava no largo, depois das obras do Metrô. Um sobrado. Eu morava em cima, embaixo tinha uma loja de armas e munições, na frente um cabeleireiro e uma loja de pesca. Tinha uma doença nova na cidade, uma gripe. "Gripe Suína" chamaram, parece que o governador José Serra disse que você só pegava de porquinhos. A gente não podia “passar a mão nos porquinhos, nem beijar os porquinhos”. Ok, governador José Serra, o Dumba nunca beijou um porquinho e agora estava na fila do hospital municipal de Diadema, com caganeira, dores no peito e febre alta.
Esses políticos são uns imbecis mesmo, não sei por que tem gente que ainda vota. Meu título de eleitor é lá de Luziânia a cidade onde eu nasci. Não conhece? Foda-se. Ninguém conhece aquela porra, só meu pai, um inútil total, que achou que íamos ter uma vida melhor lá. Achou, né? Ele é que encontrou uma vida melhor lá: uma amazonense bunduda, que tinha uma peixaria. Tiveram um caso por 3 anos até mamãe colocar ele pra fora. Ele foi. E nunca mais voltou se mandou pra Amazonas e pau na minha bunda magra. Tive que ficar com minha mãe e minha irmã, Katiúscia. Mas não quero que você tenha pena de mim, ok? Essa história não é pior que as outras. Tem gente que nasce com HIV e dá entrevista rindo na tv. Tem família inteira chacinada e o filho sobrevivente vira ativista de ONG. Eu não virei ativista, nem apareci na tv. Por enquanto. Mas eu era o melhor aluno do colégio estadual "Paulo Maluf", gostava de português e história. Acho bonito quem fala o português direitinho, sem muita gíria, tipo o professor Pasquale lá.
***
_Fala, Magrão, firmeza?
Sou magro. Tenho 1,79 de altura e peso 60kg. Sempre fui assim. Gosto de comer, mas às vezes não dá tempo. Gosto de trabalhar mais ou menos. É bom ter grana pra gastar, é ruim ficar perdendo tempo com trampo. Jogo na Mega-Sena. Trocaria uns dois anos de vida por uns 200.000 reais, fácil. Viver sem ter dinheiro ou ter dinheiro e viver pouco? Prefiro a segunda opção. Mas não tenho a mínima vocação pra bandido, trambiqueiro ou coisa que o valha. Não gosto de sangue.
Chego no sobrado. Ta garoando em São Paulo. Não é novidade. Terra da garoa é poético só pra quem está dentro do carro ou debaixo do guarda-chuva. Podia ter nascido carioca.
-Boa noite, Gusmão
-Boa noite, Fino.
-Vendeu muita arma, hoje?
-Vendi nada, depois dessa lei de desarmamento ta foda, né? Quase ninguém mais tem porte, aí nego prefere comprar no paralelo.
-Pode crer, fora que é mais barato, né?
-Total. Cidadão que quer se defender tem que desembolsar uma pusta fábula.
-Pode crer, vou subir. Boa noite, Gusmão.
-Boa noite, Fininho.
Fininho o escambau! Deixa ele ver meu fininho aqui. Ninguém me chama pelo nome. Mas pelo menos não me chamam mais de Cazuza igual na escola. Os caras ficavam me tirando de aidético e eu, magrelo, tinha que ouvir pra não apanhar. Bando de vacilão. Bom, chegar em casa agora ligar a TV e fazer um rango. To com vontade de ovo frito molinho com arroz. Pô, podia ter um bacon pra fazer que nem café da manhã gringo. Cê ta vendo? Eu não quero muita coisa. Um pouco de bacon já ia me deixar felizão. Coço a careca enquanto penso no que fazer. É gostoso. Às vezes esqueço o que estava fazendo e dou uma coçadinha na careca pra lembrar. Um “agradinho pro cérebro”. É engraçado? Eu sou um cara engraçado. É esquisito? Tá, eu também sou um cara esquisito.
Massa, ta passando filme de vampiro na televisão. Eu curto pra caralho vampiro. Pô, deve ser louco só comer sangue, as minas pagando pau, viver vários anos. E olha só os vampiros: Brad Pitt e Tom Cruise. Será que eu ia ficar parecendo o Brad Pitt se fosse vampiro? Um Brad Pitt com dois dentões. Pô, aí eu saía da seca. Faz uns seis meses que não dou uma. Acho que desde a Tat Boca de Caçapa. Há, que boquinha! Melhor boquete da Zona Sul. O Dumba que me apresentou. Chupou ele também. Aliás, chupou a galera toda. Foda-se. Será que eu ligo pro Dumba? Coitado, com a gripe do porquinho... Será que ele ta se cagando na fila? Nossa, mó vergonha deve ser. Eu colocava uma fralda, eu acho. Mas não ia caber, né? Sei lá, esse ovo ta cheiroso. Vou rangar e depois fumar um Hollywood na janela.

Ilustração: Sabrina Barrios

Eu curto essa vista, saca? O largo vazio de noite. De dentro de casa até que a garoa é bonitinha. Estrela não dá pra ver aqui. Mas, também, já vi bastante em Luziânia e estrela é tudo igual, parece uma árvore de natal gigante. Eu gosto de Natal. Mas não por causa do Jesus. Por causa das propagandas da Coca-Cola, saca? Dos ursinhos brancos, que tinha, lembra? Porra, era mó legal. O clima do natal é massa, né? As lojas ficam abertas até tarde, tem comida boa, mas de Jesus eu não gosto muito. Esse lance de religião é um saco, ta ligado? Minha mãe é crente. Putz, ela não queria que a gente trepasse, que eu fumasse, que bebesse. Nossa, mano, um pé no saco. Minha irmã é meio crente também, mas ela pega uns caras. Tô ligado. Assim, não que ela seja safadona, saca? Estilo cachorrona, Mulher Melancia, essas porras. Ela é sussa até, mas namora uns caras ai. Bom, eu acho religião meio que coisa de ignorante. O professor de história descia a lenha em religião, inquisição, alcorão, essas coisas. Ele era um cara inteligente, saca? Tipo filósofo, barbudo, óculos. Pô, eu curtia. E tive um amigo também. O Igor. Mano, aquele cara era do mal, do mal. Tipo vampirão, pele pálida, só falava de capeta, bíblia negra, fez pacto de São Cipriano, mó sacrilégio. E o cara era cabeça, hein? Putz, lia altos livros, “Os Divina Comédias”, “Diário de um Mago”, “Brumas de Avalon”, o cara era foda. Por isso que eu já fico esperto com esse lance de religião.
Olha ai, o vizinho estranhão saindo de casa. Coroa bizarro, não fala com ninguém. Sai pra dar rolê com o rotweiller de noite, recebe umas putas na madruga, que eu to ligado, mas não cumprimenta ninguém, quase não sai. E tem grana. Pô, e o mané não fecha a casa com chave. Sobradinho velho, no meio das lojas. Só um doido desse pra ter grana e morar aqui no largo. Se bem que com o metrô sendo construído vai valorizar. Certeza. Ele deve estar apostando nisso pra fazer mais grana. Rico é tudo esperto. Quer saber, vou dar uma entrada na casa dele. Não tenho nada pra fazer. E ele sempre demora uma meia-hora pra voltar. Como diria eu mesmo: Foda-se.

Continua...

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