31.5.08

Ódio, Peter Bagge

(Resenha originalmente publicada nos sites Zine Kaos e The Watchtower, 2003.)

Fede a Espírito Adolescente!!!
Quadrinhos grunges dão voz a geração perdida dos anos 90


por Fred Di Giacomo, eu mesmo

Literatura pop e listas dos 5 mais, sebos e vinis, garotas e álcool, estilo de vida rock n’ roll vivido por “adolescentes” de 32 anos e ódio. Os quadrinhos de Peter Bagge foram o maior sucesso da editora Fantagraphics e caíram nas graças de uma geração de losers fãs de rock independente, que viviam à base de subemprego e cerveja barata. Seu ícone seria o anti-herói Buddy Bradley rodeado por seus amigos freakies Funtum, George, Valerie (a namorada ninfomaníaca) e sua ex, Lisa . Buddy e o Ódio tiveram um significado semelhante para a geração de Seattle ao da revista Chiclete com Banana e do personagem Bob Cuspe, do quadrinista Angeli, para o punk tupiniquim.

Tudo cheira a vida real nas páginas de Ódio, seus traços exagerados, acentuando as expressões dos personagens, são influência do pai dos quadrinhos underground americano, Crumb, e sua narrativa ácida, mesclando escatologia com sacadas inteligentes, retrata fielmente o cotidiano dos jovens que como eu e você viveram os anos 90. As festas, os diálogos, as crises de relacionamento tudo leva a crer que o nanquim da caneta foi substituído por sangue humano, o cheiro de “pisicotrópicos”, fumaça de cigarro e cerveja é o mesmo das festas de repúblicas universitárias. As ambições de Bradley e seu amigo Funtum não são lá grande coisa. Bradley trabalha num sebo e Funtum vive de “bicos” , os dois sonham em ter um fanzine, mas mal conseguem decidir se irão escrever sobre rock ou sobre quadrinhos. Todo jovem envolvido com a “cultura alternativa” vai encontrar algum traço de sua vida na ponta da caneta de Peter Bagge.

Peter Bagge

A crítica se torna mais séria quando entram em cena os irmãos de Buddy: Butch e Babs (ele um jovem fascista americano e ela uma mãe solteira, convertida em fundamentalista cristã), e ai Bagge destila todo seu sarcasmo e ódio contra a sociedade americana. Desse sarcasmo não escapam ninguém, nem os pseudo-intelectuais como George, colega de Bradley, “um negro que não curte rap”, nem os integrantes da cena alternativa, nem mesmo o próprio autor, alter-ego de Buddy Braldley, retratado na última história do álbum , uma viagem surreal onde ele reflete sobre os caminhos de sua obra rumo a um apelo mais comercial e pop. Peter diz que não participou ativamente da cena grunge por já ter mais de 30 anos na época e “não gostar do cheiro de cigarro nos clubes de rock”, mas foi amigo de alguns dos principais participantes, tendo desenhado uma capa para a banda TAD. Antes de morar na Seattle do grunge, Bagge morou na Nova York do início dos anos 80 época do Punk e da New Wave.

Ódio foi publicado aqui pela Via Lettera, editora do veterano tradutor Jotapê Martins, em 2001 num álbum com 6 histórias longas e mais três curtas. Nos Estados Unidos, após uma crise semelhante a do já citado Angeli com a personagem Rê Bordosa, o autor resolveu “matar” a revista Hate (criada em 1990), transformando-a numa publicação anual, para não limitar sua arte a esses personagens e procurar novos rumos. Por trás de todo oba-oba em cima de seu parentesco com o grunge, de baixo da camiseta de flanela por fora da calça, o all star e o cabelo desgrenhado de Peter Bagge, Ódio tem como principal qualidade o fato de ser um retrato fiel e sem firulas de seu tempo. Uma fotografia do principal personagem da tragédia humana : o homem comum.
Fred Di Giacomo, 07/11/03

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