10.1.08

O Bandido da Luz Vermelha - Rogério Sganzerla, 1969

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O Terceiro Mundo vai explodir!
Clássico do cinema marginal paulista retrata a história do Bandido da Luz Vermelha

Rogério Sganzerla está morto! Acácio Pereira da Costa, o Bandido da Luz Vermelha que inspirou seu filme também. No entanto, a obra do cineasta continua sendo uma das mais atuais, instigantes e experimentais do cinema tupiniquim. Talvez o principal representante do cinema marginal paulista, ao lado de José Mojica Marins (Zé do caixão), Carlos Reichenbach e Ozualdo Candeias, Sganzerla conseguiu criar seu clássico logo na primeira tentativa. Ainda com 22 anos, o diretor encontrou em 1968 o equilíbrio entre o popular e o experimental fazendo de "O Bandido da Luz Vermelha" um sucesso de público e crítica no Brasil.

"O Bandido da Luz Vermelha" é um filme anárquico, filho do cinema novo e de Orson Welles, cheio de referências a histórias em quadrinhos e rádio jornais. Sganzerla, muitas vezes comparado a Godard, começa sua narrativa de forma linear, utilizando dois locutores de rádio jornal sensacionalista para contar a história do Bandido (vivido por Paulo Villaça) que aterrorizou a elite paulista entrando na casa dos grã-finos para assaltar e estuprar as madames. Com o desenrolar dos 92 minutos de filme a obra vai se tornando cada vez mais simbólica, caótica, aproximando- se em parte do cinema novo de Glauber Rocha, fazendo um retrato do caos tropical em que vivemos. Luz, como o bandido é chamado, vai sendo envolvido em uma trama que incluí até um político, "o primeiro candidato a presidente pela Boca do Lixo", caricatura da vida política nacional marcada em sua realidade por caudilhos e criminosos que se apresentam como "Pais dos Pobres."

Luz Vermelha é um anti-herói: sem valores éticos, sem grandes desejos, tendo diarréias no meio do filme e mesmo assim superior ao delegado Cabeção, o oposto de todo bom policial de filme hollywoodiano, que chega sempre atrasado à cena do crime e é constantemente ridicularizado pelo bandido. Cabeção e seu ajudante formam uma espécie de Dom Quixote e Sancho Pança da polícia brazuca, não chegam a ser corruptos, são apenas ineficientes, partes de um retrato surrealista da nossa realidade. Em uma cena Cabeção vê um quadro moderno na parede de uma das vítimas, e ataca a arte moderna ("Isso não é arte"), revelando seu ódio pela elite que tem que proteger, sendo ele também um membro do lúmpem proletariado como Luz Vermelha (que apesar de não conhecer-se onde nasceu, no filme foi criado em uma favela paulista).

A obra de Rogério Sganzerla é mais contundente ao retratar o povo que seus antecessores do "Cinema Novo", a realidade é mais crua, a linguagem é popular, o cenário é o urbano decadente, as estrelas são os bandidos, as prostitutas, os polícias e os políticos corruptos. E a mídia! Tudo é visto pela ótica da mídia sensacionalista, mãe de Gil Gomes e do "Notícias Populares". A tragédia é vista como espetáculo. O filme, rodado na Boca do Lixo (lar do cinema marginal paulista e famoso por ser reduto de tráfico e prostituição nos anos 60-80), soa como "Terra em Transe" de Glauber Rocha dirigido por Zé do Caixão. E ainda traz frases geniais disparadas por uma metralhadora giratória constante: "O terceiro mundo vai explodir", prega o Anão (profeta da Boca do Lixo), "Quem tiver sapato não sobra", "Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha". Essas frases continuam atuais em um país onde as classes marginalizadas, sem ideologias que as possam fazer lutar por mudanças estruturais, revoltam-se de qualquer forma, seja através de seqüestros, estupros, ou assassinatos...

As referências a Welles são claras, a fotografia, as cenas iniciais com manchetes de jornais e luminosos, os discos voadores (quem se lembra da célebre peça que Orson Welles pregou nos americanos simulando uma invasão alienígena ao vivo no rádio?), tudo lembra a obra do clássico diretor de Cidadão Kane. Sganzerla era fascinado pelo diretor americano, chegou a realizar um longa e um documentário sobre a vinda frustrada de Welles para realizar o filme It's All True no Brasil. Costumava dizer que se Orson Welles não havia conseguido realizar um filme aqui, quem conseguiria? Sganzerla conseguiu. Produziu em uma época de crise cinematográfica, tornando seus filmes cada vez mais experimentais e criticando duramente as obras padrões de hollywood. Seu segundo filme, A Mulher de Todos, também foi bem recebido pela crítica, mas a partir daí o diretor caiu num filão mais undeground e lisérgico só recuperando seu status de unanimidade com "O Signo do Caos", seu último filme premiado no festival de Brasília. Disse Marcelo D2 (que usou trechos de "O bandido..." em seu disco "Em busca da batida perfeita"): "Morre o nome, fica a fama" . Sganzerla morreu, seu cinema ácido continua vivo para nos atormentar.


Fred Di Giacomo 21/01/2004


Assista o trailer do filme "O Bandido da Luz Vermelha".


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